sexta-feira, 19 de março de 2010

Uma noite nos Tristes Trópicos



Uma viagem entre imagens, músicas e depoimentos sobre os indígenas latino-americanos. Eram oito horas da noite quando começou uma das apresentações culturais mais ricas sobre os índios já apreciadas em Fortaleza no espaço “Armazém da Cultura”. “Tristes Trópicos de Claude Lévi-Strauss” por Marlui Miranda.

No espaço para 100 pessoas, tudo começou com um vídeo-documentário, “Trópico da Saudade”, de Marcelo Freitas. Totalmente narrado em francês e sem legendas. Estranhamento para alguns, para outros, alegria de ouvir o antropólogo Lévi-Strauss narrar sua pesquisa pelo Brasil nos anos 1930, quando conviveu com algumas tribos indígenas da América do Sul. Imagens preciosas mostravam os costumes de um povo de história forte, marcada pelo etnocídio, e, ao mesmo tempo, nossos conterrâneos alegres, por essência. Raízes do solo, memória, música e ritos. Cada indígena conhece muito bem seus antepassados, que faz parte de algo maior: a natureza.



Claude Lévi-Strauss, como pesquisador inquieto, escreveu no seu livro “Trópicos Tristes”, cada pedaço que conseguia perceber daquele povo. E muito se questionou o sentido daquilo tudo. Em fotografia, o sorriso de meninos indígenas nos confortava na imensa paz.

Quando se deu o fim do vídeo, eis que surge Marlui, em conversa simples e despretensiosa. “Gostaram do filme? Da próxima vez prometo trazer legendado. Era preciso que vocês vissem pelo menos as imagens que muito falam”. Foi então que se ascenderam as luzes de um cenário intimista, em cores e adereços. Marlui, toda de preto e enfeitada com colares indígenas, sentou-se na cadeira e pôs-se a ler trechos do livro de Lévi-Strauss. Uma descoberta que se desenrolava trecho após trecho, música após música.


Foi uma surpresa quando a senhora de voz poderosa ali sozinha no palco entoou o primeiro canto indígena, apenas com um chocalho na mão, fazendo a percussão. Apenas o começo de uma série de músicas dos povos os quais conviveu. Marlui estava cercada também de instrumentos indígenas: pífano, viola de cocho, ocarinas e percussão. Uma música e um trecho do livro, assim se dividia o espetáculo. Traduzia as letras das canções , às vezes, explicando cada música. Uma cantiga de construir casa, outra de festa, todas perfeitamente executadas em seus arranjos.

Como instrumentista, cantora e pesquisadora, Marlui se mostrou. A música que nunca havia sido tocada para um público de “homens-brancos” foi tocada. A cantora, inclusive conta que fora contratada por tribos para recuperar músicas perdidas, atualmente. Um trabalho de resgate de memória, gravado em pen-drive (acredite, isso já chegou lá) e compartilhado com o grupo indígena.

O que ouvíamos vinha da pessoa certa, que conviveu e se entregou aos índios. Tivemos à noite um saber e uma apreciação únicos. Foram detalhes por demais, que nos fez olhar para algo pouco difundido: a cultura indígena. E meio que perdidos, tentando entender a profundidade daquele povo, como fez Lévi-Strauss, nos achamos em vários momentos de um cântico indígena. E poderíamos afirmar, como Marlui, no final da apresentação: “Eu me sinto um índio”.

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