quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

"Loki", Arnaldo Baptista


“Eu quis me libertar” – assim declarou Arnaldo Dias Baptista, quando tentou suicídio em 1982 numa clínica em São Paulo.
Os Mutantes, para Rogério Duprat, aparecem como a banda mais importante do movimento tropicalista.
O fim dos Mutantes e o recomeço.
Kurt Cobain escreve uma carta para Arnaldo em 1993.
Beatles, Rolling Stones? “Eles não têm uma cantora” – diz Arnaldo irônico.
“Cê tá pensando que eu sou loki, bicho?”.
Uma história de amor.
Rita Lee, onde está você? Rita Lee pra quê?


Por Lucas Benedecti

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Mente libertária, visionário, músico, artista, romântico, risonho, irônico, viciado, louco. Louco. Louco? Bom, isso é o que diria a imprensa no final dos anos 70 sobre um dos maiores ícones do rock nacional. Arnaldo Baptista teve uma carreira conturbada, cheia de realizações, decepções e disco voadores. Sorriu, criou, brincou, cantou, chorou, sobrevive e nos conta estórias. Loki – documentário de Paulo Henrique Fontenelle – vem a resgatar o que há de mais intrigante na vida de Arnaldo e na carreira de uma das bandas de rock mais ousadas do mundo em termos de sonoridade: Os Mutantes.

Impossível nunca ter ouvido falar dos antigos festivais da Record que passavam na TV ou mesmo tê-los visto. Ali nascia grande parte da música nacional. Ali se criava identidade. Ali nascia o movimento tropicalista quando Gil e Caetano decidiram colocar bandas de rock para lhes acompanhar. Os Mutantes tocaram com a orquestra de Rogério Duprat e Gil, na canção “Domingo no Parque”, em 1967. A partir de então, o experimentalismo e a reviravolta na música estava feita. Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias quebravam paradigmas, subiam alto ao misturar tantos estilos numa só música, ganhavam espaço na mídia e transformavam de vez o rock nacional. A diferença estava tanto na música, como nas roupas, nas letras e no comportamento dos três jovens. Nas imagens, Arnaldo Baptista, com seu contrabaixo, sempre sorrindo, tomava frente da banda. A instrumentação, a base das músicas, as letras, o próprio jeito mutantes de ser, vinha da frutífera parceria de Rita e Arnaldo.


O Filme

O filme-documentário do Canal Brasil consta com muitas imagens de arquivo: são apresentações fora do país, festivais nacionais e fotos, além de uma ótima trilha embalada por Mutantes e músicas da carreira solo de Arnaldo. Tom Zé, Gilberto Gil, Sérgio Dias, Lobão, Devendra Banhart, Liminha, Dinho Leme e o próprio Arnaldo são alguns dos entrevistados que fazem a história renascer diante dos nossos olhos. Torna-se um documentário rico e valioso, tanto pelo registro histórico, como também pela falta de coisas parecidas e tão bem contadas.

Linearmente seguimos a vida de Arnaldo Baptista. Seu nascimento em 6 de julho de 1948 em São Paulo, seu primeiro contrabaixo elétrico, suas primeiras bandas de rock e sua paixão pela música. Desde cedo, também estudou piano, influenciado por sua mãe, pianista. Um rapaz de poucas palavras, tímido, mas que adorava tocar com seu irmão guitarrista Sérgio Dias. A criatividade e o rock’n’roll: duas palavras que o definiriam bem. Até chegar na sua mais fervorosa realização, ter uma base, ter uma banda, que literalmente foi sua família. Casou-se com Rita. Nasciam Os Mutantes, cresciam e tocavam no exterior, coisa que pouca banda nacional fizera. Tocavam em rede nacional as mais fervorosas canções lunáticas de amor, um amor verdadeiramente marcado por um romance e união na banda. O colorido dos Mutantes contagiava e Arnaldo sorri para nós nas imagens. Ele precisa disso, precisa estar no palco.

E assim Arnaldo segue sua carreira. Mesmo com o fim de seu casamento com Rita e o fim dos Mutantes. Um período realmente difícil na sua vida. Segue até hoje e é um mistério ainda, apesar de no filme termos elucidações sobre o assunto, o fato do termino do casamento, a briga e o fim do relacionamento de Rita e Arnaldo. Fatores musicais e pessoais se confrontaram. E foi triste. Como se tudo que era doce se acabou. Desentendimentos sempre há, mas aquilo era o fim, o começo do fim dos Mutantes, que ainda tentavam continuar sem Rita. Mas pouco se produziu.

Da parte de Rita, nada se ouve, nada se diz. Ela recusou-se a participar do filme e também da ultima formação dos Mutantes em 2006, quando Arnaldo e Sérgio voltaram a se reunir. No documentário, os depoimentos são emocionados, quando se trata do fim, Liminha conta que foi correndo chorar quando eles o anunciaram.


O Mutante

O psicodélico e o progressivo chegavam nas veias de Arnaldo nos anos 70. Mudou e sofreu com a separação. Chegou de vez então com sua música cada vez mais experimental. Mas não estava bem, afundou-se nas drogas. E sua criatividade e espontaneidade foram se misturando às denuncias de loucura e dependência. Foi uma fase que lhe afetou e lhe inspirou ao mesmo tempo. Seu grande disco, enquanto seguia carreira solo, “Loki” (1974), resume, de certa forma, todas suas angústias, valores, críticas e a incrível dor de ser. Do ser humano tão sensível, do grande músico que é e o que conseguiu transmitir para todos: que estamos todos a flor da pele, nem tão longe assim da loucura, apenas somos o que acreditamos, há beleza nisso tudo.

Arnaldo passou por tempos internado. Sua tentativa de suicídio, em 1982, quando se atirou da janela de um hospital, é retratada por ele como uma tentativa de liberdade. Ficou em coma por um tempo e só o amor lhe salvou. Lucinha Barbosa, que a princípio era uma fã, deu-lhe a paz. Casaram-se e hoje vivem em Juiz de Fora, Minas Gerais, num sítio. “Tudo isso foi um recomeço”, diz Arnaldo, alimentado pela esperança do seu novo amor. Além de compor, gravar e fazer turnê com a formação mais recente dos Mutantes, com Zélia Duncan, ele dedica seu tempo a pintar telas, sua mais nova terapia.

As cores, depoimentos, imagens e músicas de Arnaldo estão eternizadas neste longa-metragem. Na verdade, há uma lição de vida. Há a esperança e o reflexo de um ser puro que é Arnaldo. A obra aberta que constrói Paulo Henrique Fontenelle está para todos os corações jovens, esperançosos e felizes, como o de Arnaldo.


Info:

Título original:
Loki - Arnaldo Baptista
Gênero:
Documentário
Tempo:
120min
Site oficial:
http://canalbrasil.globo.com/loki/
Ano:
2009
Direção:
Paulo Henrique Fontenelle

Trailer:

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