quinta-feira, 10 de junho de 2010

Aurora da nova música de todos os lugares


A música instrumental está em ascensão. “Nascente” é o primeiro disco do violonista e compositor Marco Leonel Fukuda que explora composições entre o erudito e o popular. Neste mês, três apresentações de lançamento do disco podem ainda ser conferidas: no dia 12, dia dos namorados, às 12h , haverá apresentação no Passeio Público, como parte do Projeto Sol Maior; e dias 13 e 27, próximos domingos, às 16h, no foyer do Theatro José de Alencar, na programação em comemoração aos 100 anos do Theatro;

Marco Leonel Fukuda nasceu em Osaka, Japão. Cresceu em Brasília, DF, e mora há três anos em Fortaleza. Começou a tocar violão aos 11 anos. Em seu primeiro trabalho, “Nascente”, o jovem de 20 anos reúne composições próprias. Influenciado por músicos como Dilermando Reis, João Pernambuco, Baden Powell, Nonato Luiz, entre outros, o compositor não vê limites para seu instrumento: o violão. Suas composições, seu toque de característica peculiar ganham notoriedade na cena musical da cidade. Para tanto, o músico faz parte do movimento Bora! Ceará Autoral Criativo, que valoriza a nova composição cearense.

O primeiro show de lançamento do disco “Nascente” foi no dia 6 deste mês, numa apresentação que fez parte da programação do Theatro José de Alencar. Em entrevista para o Pare Para Ouvir, Marco Leonel Fukuda contou-nos como surgiu o seu primeiro trabalho independente, sua origem, carreira e sobre estréia de seu disco.



Pare Para Ouvir: Quando e como começou a compor o disco?

Marco Leonel Fukuda: O disco "Nascente" começou a ser idealizado no começo de 2008, quando eu apresentei o projeto "Sua Majestade, o Violão" - Homenagem a Dilermando Reis no Teatro Nadir Pápi Sabóia e no Theatro José de Alencar. Eu morava em Fortaleza há pouco mais de um ano, e tinha acabado de terminar o Ensino Médio. "Sua Majestade, o Violão" foi o meu primeiro projeto de música instrumental para violão solo, que fazia uma retrospectiva da minha formação como violonista. A experiência de produzir um recital tocando como solista foi inesquecível e fundamental para o que viria nos dois anos seguintes. Nessa ocasião, fiz de tudo um pouco: produção, direção musical, seleção do repertório, feitura dos arranjos, o trabalho de performance como intérprete, e dava meus primeiros passos como compositor. Era tudo inédito para mim, e foi de um aprendizado ímpar na minha vida. Da influência forte do Dilermando Reis, de todo um legado do violão brasileiro como um instrumento concertista e seresteiro, compus "Serenata em Noite Clara", minha primeira composição para violão, uma valsa que é também um estudo. Ela abriu alas para as demais quatorze peças de "Nascente", cuja composição terminei no primeiro semestre de 2009, quando condensei quinze composições, registrei as partituras delas na Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro e iniciei um processo de preparação para gravar meu primeiro disco no primeiro semestre de 2010.


PPO: Por que "Nascente"?

MLF: Nascente é o nome de uma das músicas do meu primeiro disco, a terceira faixa, para ser mais preciso. Ao mesmo tempo, nascente é uma palavra com vários significados. Pode significar início, ponto de partida, alvorada, começo de um dia, fonte de água fresca, origem de um rio. O aspecto conceitual do disco envolve natureza, imagens sonoras de luz e sombra, de contrastes e de convivência entre múltiplas vertentes de música instrumental, erudita, popular, tradicional, contemporânea. É um trabalho de experimentação composicional, porque procuro explorar as possibilidades sonoras que o violão acusticamente pode oferecer. Há peças de violão solo, valsas, estudos, um duo de violões e outro dueto de violão e flauta, quartetos de violões e um bloco de música regional com choro, baião e frevo. O violão em "Nascente" atua em diversas formações instrumentais. No começo do disco, é solista - coerente com a minha caminhada na música, pois comecei no violão solo - mas que, ao longo do disco, vão sendo adicionados outros instrumentos como outras vozes de violão, flauta transversal, cavaquinho, percussão e violão 7 cordas. É o mesmo violão, instrumento versátil, orquestra de seis cordas dedilhadas, que faz música sozinho, e que também interage com outros instrumentos musicais, acompanhando-os com delicadeza, com suas sonoridades tão apreciadas por nós, brasileiros.

O título também remete às minhas origens, às raízes familiares. Por ser brasileiro descendente de japoneses por parte da família paterna, penso no Extremo Oriente, no Japão, a Terra do Sol Nascente, e no Ceará, Terra da Luz, no Brasil, ensolarado lugar no qual me estabeleci e iniciei meu trabalho como compositor de música instrumental. Geográfica e culturalmente, podemos ainda mencionar a região da Nascente do Rio São Francisco em Minas Gerais, terra natal da minha família materna.


PPO: Quais foram as parcerias e os músicos colaboradores que ajudaram a concretizar projeto de seu primeiro disco?

MLF: "Nascente" contou com parcerias importantes, que permitiram a concretização desse sonho-projeto. A Vila das Artes, vinculada à Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) e à Prefeitura Municipal de Fortaleza, disponibilizou o seu auditório para as gravações entre fevereiro e março de 2010. A realização ficou a cargo do selo de gravação da Radiadora Cultural, com co-produção de Alan Mendonça. Daniel Sombra cuidou do tratamento do áudio, dos processos de gravação, mixagem e masterização. Cris Cysne e Saul Ferreira trabalharam na arte gráfica. Ana Oliveira (flauta transversal), George Anderson (violão 7 cordas), Jamerson Farias (percussão) e Lise Lopes (cavaquinho) foram os músicos convidados. E eu, Marco Leonel Fukuda, sou o idealizador do projeto "Nascente", o compositor de todas as músicas, violonista 6 cordas e o diretor musical.



PPO: Quais são suas influências? O que tem ouvido?

MLF: As minhas influências musicais, referências de escuta para a minha formação como músico são muitas. Violonistas brasileiros como Dilermando Reis, João Pernambuco, Paulinho Nogueira, Baden Powell, Nonato Luiz, Raphael Rabello, Turíbio Santos são exemplos marcantes de influências. Além da música para violão, escuto diversos tipos de música, instrumental, vocal, MPB, clássica, barroca, de câmara, choro, regional nordestino. Aprecio músicas de outros países, reafirmando a riqueza e diversidade da música brasileira, que tem uma notável contribuição como legado para a cultura da humanidade.


PPO: Como nasceu a paixão pelo violão? E a música instrumental?

MLF: Comecei a tocar violão com onze anos de idade, principalmente por ver primos mais velhos tocando. É comum que o interesse por música surja entre rodas de amigos ou na convivência com os familiares. Logo, comecei a ter aulas com a professora Luciana Vaz, em Brasília, que, pacientemente, encaminhou-me como violonista, investiu em mim como aluno, dando todos os jeitos pras notas brotarem do meu violão, como fala aquela bela canção do Toquinho, "Choro chorado para Paulinho Nogueira". Com ela, aprendi a ter paixão pelo violão e pela música, a criar intimidade de tal forma com o meu instrumento, para vê-lo como meu amigo, parceiro, companheiro da vida. A aproximação com a música instrumental se deu naturalmente ao longo da minha formação, pois tive contato com compositores que eu antes não conhecia, como Dilermando Reis, João Pernambuco, Heitor Villa-Lobos, e tive meus horizontes ampliados, as possibilidades musicais para o violão eram muito maiores do que eu podia imaginar à época, primeira década do século XXI. Ainda hoje, o violão é um instrumento que me surpreende, após quase dez anos de caminhada na música. Tive a felicidade de ouvir tipos de música e de vivenciar um rico processo de educação musical que muitos jovens como eu ainda não tiveram acesso. Após cinco anos de aulas de violão em conservatório, procurei seguir me aperfeiçoando nos Cursos de Verão da Escola de Música de Brasília (CIVEBRA 2005 e 2006), frequentando programações na FUNARTE e no Clube do Choro de Brasília, participando dos Festivais Música na Ibiapaba em Viçosa do Ceará (2008 e 2009), da temporada "Abraços" (2008-2010) como violonista e integrante do naipe de baixos do Coral da Universidade Federal do Ceará. Em Fortaleza, cidade que me recebeu no final de 2006, tenho procurado as programações culturais da cidade, porque além de músico, artista, também sou público, plateia, cidadão, pessoa continuadamente em formação e tenho muito o que aprender com o que os meus colegas de ofício e de missão têm apresentado.


PPO: Qual a importância de participar do grupo Ceará Autoral Criativo? Como vê os trabalhos que estão sendo lançados pelo coletivo?

MLF: Minha participação no movimento Bora! Ceará Autoral Criativo é muito recente. O CD "Nascente" recebeu apoio desse coletivo de artistas, e é o disco número 13 do catálogo da Radiadora Cultural. Tenho observado que Fortaleza está vivenciando um novo momento de efervescência cultural, de frutífera produção artística, e o Ceará Autoral Criativo tem reunido uma nova safra de compositores e intérpretes, que têm buscado a articulação em rede para a valorização da atividade musical, a ocupação dos espaços públicos com programação acessível a todos, a formação de plateia, a divulgação mais ampla de agenda cultural, o fomento à produção musical contemporânea, independente. É um momento distinto na história, porque, diferente do Pessoal do Ceará no final da década de 1970 e no começo dos anos 1980, hoje em dia, os artistas podem produzir seus trabalhos sem precisar da antes obrigatória migração para o eixo Rio-São Paulo. Ocorreu uma descentralização da produção cultural, e nosso país atualmente é polinucleado e precisa de mais diálogo entre o que é produzido em cada região e que vai incrementando o patrimônio imaterial da nossa sociedade. Estamos em um momento em que podemos proporcionar encontros entre várias gerações de músicos, para buscar uma continuidade, discutindo os rumos, os desafios da música, talvez realimentando sonhos, utopias, encantamentos, (re)encontrando perspectivas, conhecendo os trabalhos uns dos outros. O Ceará Autoral Criativo tem realizado apresentações e ensaios abertos em lugares históricos e afetivos da cidade como o Passeio Público e o Mercado dos Pinhões, e uma mobilização muito bonita tem acontecido nos últimos meses.


PPO: Quais as vantagens e desvantagens de se produzir um disco independente?

MLF: A produção de um disco independente é uma aventura, um empreendimento corajoso, que, atualmente, tem se tornado cada vez mais comum. Esse é um caminho que demanda pró-atividade, iniciativa, organização, estabelecimento de parcerias, dedicação, esforço, perseverança do artista, e que é bastante recompensador. O artista tem a sua autonomia, a independência em relação ao seu plano de trabalho, à sua proposta artística, à integridade da sua obra. Ele se liberta de possíveis amarras e manipulações e pode escolher com quem trabalhar, quais fontes de financiamento buscar, em editais públicos de incentivo à cultura, leis de incentivo fiscal junto às empresas para patrocínio, por exemplo.

Todos vemos atualmente o explícito colapso da indústria fonográfica, a mesma que, historicamente, fabricou mitos midiáticos, não deu as mesmas oportunidades para artistas que talvez fossem mais talentosos do que os que estiveram em evidência, pagou "jabá", espécie de propina, para que as rádios tocassem os novos lançamentos, dificultou o direito autoral com monopólios de gravadoras e editoras, encheu a cena musical de intermediários, tolhendo a criatividade e a divulgação de trabalhos mais diversificados e originais. É por isso que artistas de renome como Gilberto Gil, Roupa Nova, consagrados após anos de carreira, luta e dores-de-cabeça com a indústria fonográfica, hoje possuem as suas próprias gravadoras e atuam independentes. E minha geração de músicos pode e deve seguir essa mesma tendência.

São desafios para a produção independente buscar a sustentabilidade, a consolidação como prática no meio artístico, o trabalho mais consistente na divulgação e no acesso das programações culturais, a visibilidade perante os veículos de comunicação e a valorização da sociedade. Sou otimista, porque acredito que a produção independente é uma revolução e veio para ficar. Prova disso são as várias plataformas de música na Internet como Trama Virtual, Palco Mp3, Myspace Music, relacionados com redes sociais como Orkut, Twitter, Facebook, e outros mecanismos como blogs, podcasts, sites temáticos, ferramentas de downloads, que modificaram profundamente o acesso ao conhecimento e à cultura e as relações entre as pessoas.


PPO: Como foi a apresentação de estréia? O que podemos esperar das que estão por vir?

MLF: A primeira sessão de lançamento do disco "Nascente" foi no domingo 6 de junho de 2010, domingo passado, no foyer do Theatro José de Alencar, que, neste mês de junho, comemora o seu Centenário de inauguração. Recebeu um bom público, que acompanhou atenciosamente um recital de violão solo. Quem gostou, levou para casa o disco, inclusive para dar de presente. Foi a primeira vez em que dei autógrafos, sempre cuidando para escrever uma mensagem pessoal no encarte de cada pessoa que contribuía com o meu trabalho adquirindo o produto. Tive a sensação de dever cumprido, e uma alegria grande de estar realizando um sonho.

"Nascente" será lançado no dia 12 de junho, sábado, dia dos Namorados, pelo projeto Sol Maior - Grandes Solistas Cearenses da Secultfor, às 12h no Passeio Público, servindo uma saborosa feijoada a R$ 10 por pessoa. Quem não quiser comer feijoada, pode levar o seu piquenique. Em temporada pelos domingos do mês de junho, "Nascente" será lançado também nos dias 13 e 27, às 16h, no Foyer do Theatro José de Alencar. Todas essas apresentações são de entrada franca. Convido os músicos Alex Vasconcelos, Ana Oliveira, George Anderson, Jamerson Farias e Lise Lopes para tocarem comigo e abrilhantarem os recitais.

Estou em fase de pré-produção do meu segundo CD, "Jornada", que é uma quadrilha que compus em homenagem ao Centenário do Theatro José de Alencar. Pretendo lançar esse novo trabalho em 2011.


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